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desenho ideal

texto crítico da exposição individual Desenho Ideal. 2014

 

 

Desenhar é uma forma de pensar. Essa frase, muitas vezes repetida pelo célebre artista americano Richard Serra, tem seu sentido ampliado quando levamos em consideração o fato de que podemos perceber, nas últimas décadas, uma espécie de enaltecimento dos processos de produção artística, de tal forma que os mesmos, no desenvolvimento recente da arte contemporânea, adquiriram tanta importância quanto o próprio resultado da obra artística em si. E isso, por conseguinte, acabou sem dúvida tirando de uma vez por todas o desenho - modalidade processual por excelência - de sua condição de coadjuvante para posicioná-lo como uma das expressões artísticas mais vigentes e urgentes da atualidade.

 

Mas se desenhar é uma forma de pensar, e tendo em vista as proliferantes manifestações discursivas e mentais na produção artística atual, seria perfeitamente plausível nos ocorrer que o próprio ato de pensar possa vir a ser uma forma de desenhar. A demonstração de como tal insight poderia ser abordado, talvez seja o que vem nos propor a individual

“Desenho Ideal”, do artista Tchelo.

 

Nesta exposição o artista nos apresenta uma série de trabalhos em que o desenho não existe apenas como uma aparição no papel, ou uma materialização em qualquer outro tipo de suporte. De forma curiosa, o desenho aqui nunca é óbvio. O que sempre prevalece é uma sugestão da existência de um desenho. E enquanto sugestão, ele invariavelmente acaba se resolvendo não em um suporte ou no espaço, mas sim, na mente do espectador. Nesse instante indefinível, em que a ideia de um desenho é captada, formando uma imagem mental sugerida, o espectador então deixa de ser mero espectador para se tornar co-criador da obra.

 

Isso fica evidente sobretudo na instalação “Ligue os Pontos”. Nesse trabalho, o artista sugere possíveis linhas imaginárias, que, entrelaçadas pela união mental dos pontos marcados em cada parede do labirinto, formam um suposto desenho, que na verdade pode se alterar de acordo com os possíveis trajetos que o espectador/participante venha a percorrer. Quando, e se, esse desenho se definir, será apenas na mente do espectador.

 

Outro desconcertante exemplo são os trabalhos da série “Faça Você Mesmo”. Neles o artista parece inferir que o que liga as ideias contidas em séries de imagens em um continuum, não é apenas uma linha imaginária, mas uma linha de pensamento, no fim da qual se chegaria sempre a uma conclusão.

 

Não tão evidente, mas não menos desafiador, é o trabalho de título “Linhas de Montagem”, em que o artista se apropriou de uma pilha de chapas de madeira, posicionando-a no espaço. O que faz desse trabalho um desenho e não uma escultura? Mais uma vez, a resposta está na via de mão dupla entre o olhar sugestivo do artista e o olhar participante do público.

 

Mesmo em um ponto da história em que se discute abertamente questões difíceis como a desmaterialização da obra de arte, pensar em um desenho que existe fundamentalmente enquanto ideia, não é tarefa fácil. Afinal, a única manifestação artística em que o pensar não vem acompanhado de matéria é a música. Por outro lado, o mais importante nessas lucubrações, e esperamos que esta exposição contribua para isso, talvez seja a possibilidade de encontrar na arte uma fonte de articulação de ideias que ultrapassem os limites da própria arte, colocando-nos a todos não apenas como pensadores da arte, mas como pensadores da vida.

 

 

Fábio Leão

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